Submissas
na cama, mas não na vida: elas são feministas e adeptas do BDSM
É
possível uma mulher ser feminista e, ao mesmo tempo, curtir a submissão e
dominação sexual? Olhando somente para a definição dos conceitos, eles parecem
não combinar. Se feminismo luta por direitos iguais entre homens e mulheres e o
sadomasoquismo se baseia na ideia do prazer através da dominação e submissão,
parece não existir como unir as duas coisas, certo?
Pois para
muitas mulheres isso é possível sim. Elas são feministas e adeptas do BDSM
(bondage, dominação, submissão e masoquismo), muitas delas submissas, e
acreditam que a prática em si não tem nada de machista.
"A
partir do momento que é consensual, que a pessoa está disposta a ser submissa,
isso é prazer sexual e não tem nada a ver com discurso político", defende
a produtora Renata Zbóril, 25, feminista e submissa.
Para ela,
assim como para outras entrevistadas, quando se fala em submissão no contexto
do fetiche sexual, a chave é o consenso: a mulher está na posição por escolha,
porque isso lhe dá prazer
Existe acordo e palavra de
segurança
Além da
escolha por estar nos papéis do fetiche, as mulheres ressaltam que o universo
do BDSM funciona com base no diálogo e em "contratos" sobre o que
pode ou não acontecer nas relações.
"Antes
de acontecer, a gente conversa e estabelece regras. Só é feito o que foi
combinado. Mesmo quando é um homem me dominando, fui eu quem ditou as
regras", explica a recepcionista Kelly*,27. Ela é submissa e bissexual e
lembra que nem sempre são homens os dominadores. Ela reforça que no BDSM os
papéis não tem nada a ver com gênero, cada um pode ser o que quiser.
Além de
dizer o que pode ou não pode, o contrato também estabelece uma palavra de
segurança, para que a pessoa submissa possa interromper tudo, caso queira.
"Tem
várias formas de negociação. Mas é importante pensar no discurso, de ter uma
palavra de segurança, para poder parar o jogo quando eu quero. E também os
materiais. Se vai brincar com corda, tem que ter tesoura, se vai brincar com
corda, tem que ter tesoura, se vai brincar com fogo, tem que ter água. Além do
preservativo, é claro. É importante pensar a segurança de muitas formas",
diz Marisa Dantas, 24, que é switcher (a pessoa que ora domina, ora submissa) e
feminista e está estudando o assunto em seu mestrado em psicologia.
"Para mim é
empoderador"
Exatamente
por existir esse espaço de negociação, as mulheres entrevistadas consideram o
BDSM 'empoderador'. "Desde que entrei no BDSM, eu tenho segurança para
negociar. A gente não pode esquecer que tem mulheres que não tem esse espaço,
normalmente. Eu coloco meus desejos, eu descubro meus desejos e me coloco como
não fazia no sexo heteronormativo", diz Marisa Dantas.
Poder
conversar sobre limites e deixar claro o que aceita ou não é algo que muitas
delas desconheciam antes de entrar no universo fetichista.
"É
um mundo muito mais consensual. Tem essa coisa de até onde pode ir, até onde
você pode me bater, porque eu vou gostar e onde você não pode nem encostar em
mim", explica Renata Zbóril.
Poder
também reconhecer o que é fonte do seu prazer e aceitar isso, sem julgamentos,
é libertador para Marisa. "Existe a possibilidade de descobri prazer no
corpo por vias nem imaginadas no contexto do sexo normativo, é possível a troca
de poder, experimentar sensações novas a partir disso”.
Não é violência?
Muitas
vezes as cenas (como são chamadas as interações sadomasoquistas, onde as
pessoas entram nos papeis combinados) envolvem violência: chicotes, cera,
saltos de sapatos e tapas são elementos recorrentes. Isso porque é comum que que
o prazer da submissão esteja também em sentir dor.
Oras,
duas pessoas em uma relação íntima, em que uma agride a outra, isso não é
violência doméstica? Para quem é adepto das práticas, não. A explicação, mais
uma vez, está no consenso.
"A
diferença é a escolha da mulher em estar ou não numa cena", diz Marisa.
Mas ela completa o raciocínio: "Mas com certeza temos que problematizar
essa questão: quem é essa mulher, o que ela entende por sexo, por violência,
por prazer, se há possibilidade de negociação desses papéis ou não... Mulheres
sofrem violência sexual constantemente, em diversos contextos, incluindo locais
de trabalho, igrejas e, principalmente, de seus companheiros, parentes e amigos.
Não podemos colocar a prática sadomasoquistas nem como um elemento que aumenta
a chance da violência, nem esquecer dessa questão para falar sobre BDSM e sobre
o sexo de uma forma geral.”
A artista
Nina Flores, 49, pratica BDSM há 18 anos e reforça essa visão. "O machismo
impera no BDSM do mesmo jeito que impera na sociedade", diz. Por isso, ela
acredita que é preciso que as mulheres sejam feministas e se fortaleçam
coletivamente.
É preciso estar atenta
Entender
os próprios limites e coloca-los é parte essencial dos cuidados na prática do
BDSM, mas Nina nota que muitas outras questões sutis surgem na hora prática.
Ela cita, por exemplo, a dificuldade da mulher submissa em exigir o uso do
preservativo.
"Tem
gente que acha que o submisso não tem direito a nada. O uso da camisinha e a
higiene dos acessórios são uma discussão terrível e uma batalha muito
importante", explica ela. Outra questão é a falta de espaço para
renegociar as regras. Muitas relações de
dominação/submissão duram anos e, ao longo do trajeto, pode ser preciso mudar o
combinado inicial.
Como se
tratam de relações de poder, essas renegociações podem ser complicadas. Para
Marisa, uma sugestão é praticar a troca de poder, experimentar outras posições,
para viver novas experiências e também refletir sobre os porquês das coisas,
para não obedecer cegamente se colocando em risco.
Nina
também recomenda que as mulheres fetichistas participem de grupos, se encontrem
com outras mulheres e troquem experiências e dúvidas. "Porque a gente
brinca com algo que tem um risco. Então é preciso estar em contato com outras
praticantes, para não ficar à mercê de regras que não são reais, que podem ser
modificadas de acordo com a necessidade do momento.
Reportagem: site UOL – 18/12/2017
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